Antibióticos em cães com diarreia aguda: quando realmente são necessários?
O objetivo deste texto é orientar sobre o uso racional de antimicrobianos em cães com diarreia aguda.
A diarreia aguda é uma queixa comum na rotina da clínica veterinária. Na maioria dos casos, trata-se de quadros leves e autolimitantes. As causas são diversas e, frequentemente, não se chega a um diagnóstico definitivo, mas mesmo assim a resolução clínica ocorre dentro de uma semana.
Ainda assim, é comum observar o uso indiscriminado de antibióticos, como metronidazol ou amoxicilina com clavulanato, mesmo sem necessidade clínica evidente. Essa prática favorece o desenvolvimento de resistência bacteriana e disbiose intestinal.
Com base nas diretrizes consensuais da European Network for Optimization of Veterinary Antimicrobial Therapy (ENOVAT), os cães com diarreia aguda foram classificados em três categorias clínicas principais:
Cães alertas, responsivos, sem sinais de desidratação ou febre.
✅ Tratamento: ambulatorial, sem indicação de antibióticos.
Cães com estado mental levemente a moderadamente deprimido, com sinais de desidratação.
Não apresentam febre, inflamação sistêmica grave (como neutrofilia intensa > 25×10⁹/L, neutropenia ou desvio à esquerda) nem disfunção orgânica (como icterícia ou hiperbilirrubinemia).
✅ Tratamento: fluidoterapia e cuidados de suporte, geralmente com hospitalização.
🚫 Sem indicação de antibióticos, exceto se houver sinais laboratoriais de inflamação grave.
Cães com estado mental moderada a gravemente deprimido, sinais sistêmicos (febre > 39,3 °C, hipotermia ou normotermia), desidratação ou hipovolemia.
Podem apresentar inflamação sistêmica intensa e disfunção orgânica (como choque séptico, icterícia, etc.).
✅ Requerem hospitalização intensiva.
🟡 O uso de antimicrobianos pode ser indicado, porém com base em evidência de baixa qualidade e recomendação condicional. Exclusivamente nessa categoria, a certeza de evidência foi classificada como baixa e condicional, utilizando essa classificação apenas na avaliação dos cães desse estudo.
Em casos leves a moderados, com ou sem presença de sangue, não há indicação do uso de antibióticos.
Estudos demonstraram ausência de benefícios clínicos na redução do tempo de diarreia com o uso de antimicrobianos nesses casos.
Além disso, o uso inadequado está associado a disbiose intestinal persistente por até 3 semanas.
Exceção: cães com sinais laboratoriais claros de inflamação grave (neutrofilia intensa, neutropenia, desvio à esquerda) podem necessitar de antibióticos.
Em casos graves, especialmente com disfunção orgânica ou suspeita de sepse, pode-se considerar o uso de antimicrobianos sistêmicos, mesmo com base em evidências limitadas.
Cães com doença não crítica grave:
Antibióticos de primeira escolha incluem ampicilina, amoxicilina-clavulanato ou trimetoprima/sulfonamidas.
Cães com doença crítica ou maior risco de resistência bacteriana:
Sugere-se o uso de esquemas de amplo espectro, como o protocolo de quatro quadrantes:
Amoxicilina-clavulanato, ampicilina, clindamicina + fluoroquinolona ou gentamicina/amicacina.
O tempo de tratamento recomendado é de 3 a 7 dias, o suficiente na maioria dos casos para obter resolução clínica.
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Recomendo a leitura do artigo completo, disponível gratuitamente:
Jessen LR, Werner M, Singleton D, et al. European Network for Optimization of Veterinary Antimicrobial Therapy (ENOVAT) guidelines for antimicrobial use in canine acute diarrhoea. Vet J. 2024;307:106208.
https://doi.org/10.1016/j.tvjl.2024.106208